quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O sofrimento humano e a provisão Divina


A realidade desse mundo decaído atesta que nem sempre o mal advém apenas aos injustos, pelo contrário, o justo também sofre e não significa que tenha cometido alguma iniquidade ou tomado uma decisão errada.

Uma mãe dedicada, cuidadosa e profundamente amorosa, segundo o depoimento de alguns de seus colegas de trabalho. Em determinado dia da semana, fora da rotina normal, esquece o filho no carro algumas horas, com o calor interno sob o efeito estufa, ou seja, a temperatura é absorvida ao máximo sem fugas externas. O resultado não poderia ser outro: o óbito de uma bela criança e em consequência, um sofrimento atroz e cruel à uma progenitora dedicada. Viver é sofrer, não é necessário ser um sábio a fim de confirmar este fato, todos que vivem, na expressão salomônica, “... debaixo do sol...”, podem constatar essa cruel realidade. Casais sofrem mutuamente por não aprenderem a ajustarem-se em amor, um ao outro, bons pais sofrem por sentirem-se incapazes de educarem os filhos ao desafio das Escrituras Sagradas, filhos sofrem por não corresponderem às expectativas dos pais, empregados sofrem com patrões exigentes e desonestos, pastores fiéis e amorosos sofrem com “ovelhas” rebeldes e insubmissas, crentes sofrem com “pastores” mercenários e autoritários. Cidadãos honestos sofrem com políticos corruptos e inconsequentes. Isso sem mencionar os que sofrem com as catástrofes naturais, doenças incuráveis, fomes causadas pela ganância de uns, destruindo a muitos, guerras que mutilam corpos inocentes, separam famílias e destroem milhares, enfim a lista é interminável. A vida no mosaico das suas ambiguidades e seus paradoxos questionáveis, mas nem sempre exatos e simétricos, reservar-nos situações e caminhos nem sempre, aparentemente justo. É justo uma mãe perder um filho precocemente? É justo morrer de uma doença incurável? É justo ser honesto e não ganhar uma eleição? É justo obedecer a Deus e mesmo assim morrer decapitado em uma prisão? É justo ser colocado para trás por causa da artimanha e astúcia de alguns? A resposta parece óbvia, mas a realidade desse mundo decaído atesta que nem sempre o mal advém apenas aos injustos, pelo contrário, o justo também sofre e não significa que tenha cometido alguma iniquidade ou tomado uma decisão errada, simplesmente está vivendo o que é normal na sua peregrinação “... debaixo do sol...”.

As Escrituras Sagradas, em uma de suas belas narrativas, relata a história de uma mulher que vivia sob o estigma da aparente “maldição” da infertilidade, para colmatar a situação havia uma rival que a provocava “excessivamente”, causando-lhe um sofrimento ainda maior. Na cultura judaíca daquela época, havia uma crença comum de que uma mulher infértil, estava sob a égide de uma “maldição Divina”, ou seja, eles criam que ela havia cometido algum pecado e por isso, estava a receber o castigo merecido. Ana é o seu nome, e a verdade é que nem ela nem os seus antepassados haviam cometido qualquer malefício, sabe-se pela narrativa que havia um propósito do Eterno naquela circunstância. Essa mulher era de uma piedade exemplar: sua família é um protótipo de uma família cristã: sacrificavam ao Senhor todos os anos, participavam das solenidades religiosas, desciam ao templo constantemente a fim de adorar ao Senhor, enfim temos todas as evidências de uma vida santa e correta.

Crenças equivocadas podem promover juízos de valores perversos àqueles que sofrem: “... você está nessa situação porque tem alguma coisa na sua vida que precisa ser consertada...”, “...você tem um bloqueio...” “...você precisa orar mais...”. Palavras e atitudes cruéis, as vezes são pródigas em ambientes, que a princípio, deveriam promover o acolhimento, a restauração, o carinho, a aceitação, o afeto e a reconciliação. De fato o mundo religioso nem sempre reflete a paternidade de Deus e a aceitação do Aba Pai. Àqueles que sofrem podem questionar, o que é perfeitamente natural, porquê eu? O que fiz? Qual o mal que cometi? Se for um cristão pode perguntar: “...aonde estava Deus naquele momento...?” “...orei intensamente e não fui curado porque será?...”. Com a devida permissão, e sem desmerecer a dor que está passando, o que já é um sofrimento em si mesmo, é possível perspectivar outras possibilidades e mudar o foco das incógnitas.

É provável que a pessoa mais apropriada para entender um divorciado, seja exatamente, quem já passou por essa ruptura. Mães e pais que foram “agraciados” com crianças defeituosas podem exercer candura com outros pais na mesma situação. Pais de jovens drogados tem mais empatia por outros que vivem esse mal dos tempos modernos. Por outras palavras, o sofrimento quando interiorizado na perspectiva Divina, promove humanidade redimida na relação interpessoal. Somos mais espirituais quando somos mais humanos.

Pode-se sair melhor no sofrimento, aliás, é no ambiente de intensas provações que o caráter é formado. Tiago diz que o benefício maior é a promoção de um ser mais compassivo, ele usa o termo perseverança que é a mesma palavra para paciência, e tomo a liberdade para acrescentar que só quem aprendeu a ter paciência pode exercer compaixão, a idéia no original transmite três conceitos: estabilidade, constância e tolerância (hupomone). Portanto, é assim que alguém que não suportava ninguém, aprende a tolerar o outro, aceitá-lo, compreendê-lo e amá-lo.

Além do efeito redentor que o sofrimento promove no ser humano redimido, a saber: uma personalidade santificada, um ser mais empático com o sofrimento alheio e uma capacidade de espera além do normal, há algo que é igualmente necessário e restaurador a fim de passar pelo sofrimento: a suficiência abundante da graça Divina que promove paz interior acima da capacidade de compreender os fatos.

Uma mãe dedicada que perde o filho de forma trágica, por um descuido inconsciente, precisa de graça de Deus a fim de não sucumbir aos constantes sentimentos de culpa e dor, profundamente enraizados na sua vida. Pode-se dizer nesse caso que onde abunda a culpa superabunda o perdão Divino. Como diria Corrie teen Bom: “... Não há abismo tão profundo que Deus não seja mais profundo ainda...”, e ela sabia do que estava falando, sofrera nos campos de concentração nazista as mais perversas crueldades do sistema maligno de Adolfo Hitler.

Sejamos sinceros, em nós mesmos não há força “positiva” que nos leve a superar a tragédia, a dor, os traumas, as fatalidades, as injustiças, as crueldades, o desencanto, e todas as mazelas de uma humanidade decaída e pecaminosa em sua essência e prática. É preciso algo mais, é necessário uma suficiência transcendente e capacitadora, que nos leve a viver a vida em meio a dilemas e fatos cruéis, com doçura, generosidade, perdão e alegria.

Nos primeiros séculos da era cristã, havia um sujeito radical, apaixonado, e comprometido com a sua crença, em consequência de suas atividades e compromisso, encontrava-se em uma prisão solitária. Frio e fome eram o seu “pão de cada dia”. Tinha razões de sobra para estar amargurado, desiludido e sem esperança, entretanto, para esse “gigante” da cristandande “... com a força que Cristo lhe proporcionava ele podia enfrentar qualquer situação.” (Fil.4.13)

Na carta que escreve à minúscula e amorosa igreja em Filipos ele exorta-a a viverem com alegria. Alegria não por causa da ausência de sofrimento, e sim, pela paz, advinda da graça que Jesus confere àqueles que o amam e o seguem, mesmo sem compreender os intrincados caminhos “injustos” da vida terrenal.

No amor de Cristo, que sabe o que é padecer e concede sua graça consoladora aos que sofrem.

Josenaldo Silva
Lisboa, Portugal

Fonte: http://www.eclesia.com.br/colunistasdet.asp?cod_artigos=1168

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