segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Aslam – O Cristianismo por trás do Leão (2)



As Crônicas de Nárnia


O passado de Lewis, também, ajuda na compreensão de Nárnia. O caráter alegórico não é somente uma licença poética, uma figura de linguagem na literatura infantil cristã. Para Lewis tinha um significado mais especial na história de sua conversão ao cristianismo. Ateu convicto, Lewis, como ele mesmo contou em *Surpreendido pela Alegria*, um dia passou a acreditar em Deus. Mas era um mero teísmo, ele não estava convencido de que o cristianismo era real.

David Downing, em sua obra *C.S.Lewis: o mais relutante dos convertidos*, conta como no dia 1º de outubro de 1931 Lewis escreveu para seu amigo Arthur que não cria somente mais em Deus, mas em Cristo. O ponto da conversão ao cristianismo de fato teria sido uma conversa com o acadêmico Hugo Dyson e o escritor J.R.R. Tolkien (sim, o pai de *O Senhor dos Anéis* era amigo íntimo de Lewis, e estes três participaram de um mesmo grupo de discussões literárias). O aspecto final que faltava para Lewis se tornar um cristão era justamente ligado com a interpretação dele das mitologias, o que pode explicar o fato dele ter criado mais uma mitologia para dar eco ao cristianismo.

“(…) Os três haviam começando a falar sobre metáfora e mito logo após o jantar, continuando a conversa enquanto caminhavam ao longo do Addison’s Walk perto do alojamento de Jack no Magdalen College e só foram dormir às quatro da manhã. Essa conversa pode muito bem ser considerada o momento decisivo na vida de Jack *[apelido de C.S.Lewis]*, pois o ajudou a resolver questões com que ele se vinha debatendo desde a infância. De modo específico, proporcionou-lhe um modo de entender a encarnação como o cumprimento histórico dos mitos do Deus-que-morre encontrados em muitas culturas. Tolkien e Dyson, que compartilhavam a reverência de Lewis pelo mito, pelo romance e pelos contos de fadas, mostraram-lhe que a *mitologia revela sua própria espécie de verdade e o cristianismo é mitologia verdadeira*. Lewis insistira que os mitos não passavam de ‘mentiras proferidas por meio de prata’, mas eles responderam que o mito era mais bem explicado como *‘um vislumbre real, embora desfocado, da verdade divina incidindo sobre a imaginação humana’*. Argumentavam que um dos grandes mitos universais, o do Deus-que-morre em sacrifício pelo povo, mostra uma consciência inata da necessidade de redenção não por meio das obras pessoais, mas como dom proveniente de alguma esfera superior. *Para eles, a encarnação [de Deus em Cristo] era o ponto principal em que o mito se tornava História.* A vida, a morte e a ressurreição de Cristo não só concretizavam tipos do Antigo Testamento, mas também corporificavam – literalmente – motivos centrais encontrados em todas as mitologias do mundo.
(…) Para Lewis, o cristianismo passaria a ser, dali por diante, a principal fonte de todos os mitos e histórias de encantamento, a chave de todas as mitologias, o mito que desabrocha em história.”

Comparações montadas, alegoria do cristianismo. Lewis compôs em Nárnia mais um mito de Cristo e a história de seu povo, provavelmente buscando com isso atingir as crianças, ganhar uma porta na história delas para Cristo, que tanto fez diferença na vida dele. A série “O Cristianismo por trás das Crônicas” busca desvendar diversos destes traços cristãos nas obras narnianas, características que já guiaram o caminho de muita gente e ilumina os olhos de outros. Convido vocês para abrir a porta do armário e conhecer Nárnia pelas suas influências.

A Magia O Cristianismo por trás da Magia Profunda

Ao afirmar que a feiticeira tem o direito irrevogável ao sangue pela lei da “magia profunda” e ao levar em conta que Aslam oferece seu sangue no lugar de Edmundo, remete-se, mais uma vez, à cultura bíblica. A atitude de Aslam pode ser facilmente aproximada ao conceito da salvação: Jesus, em troca do sangue dos pecadores, ofereceu seu sangue à Satanás quando morreu na cruz, o mesmo tipo de sacrifício que no livro é a morte de Aslam sob a Mesa de Pedra.

Na teologia cristã, a lei ressalta as atitudes erradas, o pecado, e Deus, em Cristo, realiza um sacrifício que anula o pecado daqueles que o reconhecerem, que tem fé nele. Esta graça, o amor de Deus e a fé sobrepõem-se ao pecado. A “magia profunda” seria, então, uma referência a “Lei de Deus” expressa no Antigo Testamento, a Torá, e, em Nárnia, escrita na Mesa, nas Montanhas e no Cedro. Tal lei divina daria aos homens certos direitos, a possibilidade de aplicar a justiça a quem contrariar os mandamentos.

Mas, no livro *O Leão, A Feiticeira e O Guardarroupa*, o termo “magia profunda” também é aplicado de outra forma. Veja o trecho do capítulo 15 (“Magia Ainda Mais Profunda de Antes da Aurora do Tempo”) quando Susana e Lúcia encontram Aslam depois de morto, ressurreto:

“– Mas explique tudo isso, por favor – disse Susana, ao recuperar um pouco da calma.
– Explico: a feiticeira pode conhecer a magia profunda, mas não sabe que há outra magia ainda mais profunda. O que ela sabe não vai além da aurora do tempo. Mas, se tivesse sido capaz de ver um pouco mais longe, de penetrar na escuridão e no silêncio que reinam antes da aurora do tempo, teria aprendido outro sortilégio. Saberia que, se uma vítima voluntária, inocente de traição, fosse executada no lugar de um traidor, a mesa estalaria e a própria morte começaria a andar para trás…”

Agora Aslam refere-se a uma “magia mais que profunda”, diferente e superior a qual a feiticeira mencionou. Não mais usado para condenar os traidores, não mais é o símbolo da lei, mas agora a magia profunda torna-se o que é conhecido no cristianismo como o amor e a graça divina reconhecidos pela fé de cada um, que permite a salvação do que a lei anterior condena via uma nova vida.

“Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da Lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que crêem. Não há distinção, pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus.


Deus o ofereceu como sacrifício para propiciação mediante a fé, pelo seu sangue, demonstrando a sua justiça. Em sua tolerância, havia deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; mas, no presente, demonstrou a sua justiça, a fim de ser justo e justificador daquele que tem fé em Jesus.” Romanos 3.21-26

A “magia mais que profunda” (graça, amor e fé) legitima o sacrifício de Aslam, reverte a morte, consequência da traição, e quebra a mesa, assim como o amor de Deus envia seu Filho, Jesus, para morrer, dar a vida eterna a aqueles que o aceitarem e rasga o véu do templo hebraico.






Se analisar-se a “quebra da Mesa de Pedra”, que ocorre assim que Aslam ressurge da morte, encontra-se coerência com o fato bíblico em que “o véu do santuário rasgou-se em duas partes, de alto a baixo. A terra tremeu, e as rochas se partiram”, em Mateus 27.51 (NVI). A pedra é a alegoria narniana a este o véu do templo hebraico que se partiu ao meio no momento da morte de Jesus Cristo, e, tanto a pedra, quanto o véu, eram símbolos da lei, vencida pelo amor; ou da magia profunda, vencida pela mais que profunda.

Há outros paralelos entre Nárnia e a Bíblia neste trecho. Aslam refere a si mesmo como “inocente de traição”, ou seja, sem pecado algum. Ele também diz que a “magia mais que profunda” veio antes da “aurora do tempo”, da mesma forma com que a Bíblia ressalta que o amor de Deus precedeu tudo: “nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1 João 4.19) e “no princípio era o verbo” (João 1.1).

Levando em conta essas comparações, poder-se compreender a propaganda do filme que leva a frase “Acredite na Magia profunda” como “Tenha fé na Lei de Deus”, ou, até mesmo, no amor dele. Seria este um convite para a conversão e para a crença na morte e ressurreição de Cristo como salvador dos pecados?

Mundo Nárnia,  Jessica Grant

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